(Foto: I Hate Flash / Rock in Rio 2017)
A banda de rock de Brasília Scalene faz parte de um novo momento na cena da música. O grupo foi criado em 2009 e conta com, após a saída da vocalista Alexia, 4 integrantes: Gustavo e Tomas Bertoni, Lucas Furtado e Philipe Makako. Com pouco tempo de estrada, Scalene vêm surpreendendo positivamente a crítica com um rock consistente, na guitarra escalas e solos precisos, o vocal hora leve hora agressivo e muitos pratos de ataque na bateria. Esses elementos corroboram com a mensagem de tom crítico que permeia o álbum lançado no começo de Agosto.
Os rapazes foram responsáveis por uma estreia aclamada no palco Mundo da sétima edição do Rock in Rio. Escalados na mesma noite em que Bon Jovi era a principal atração, Scalene agradou ouvidos experientes e exigentes.
Magnetite foi entregue com um rock bem concentrado, muita distorção na guitarra, vocal versátil. A sonoridade se aproxima bastante do recente álbum Villians, de Queens Of The Stone Age, por exemplo. Radiohead é outra banda que têm influências fortes no som da Scalene.
"Extremos Pueris" introduz o álbum deixando as claras qual mensagem esse disco vem a trazer. A guitarra está presente num riff marcante que abre o espaço para o suave tom da voz de Gustavo. A primeira estrofe da letra dialoga com o comportamento pueril de rebeldia sem causa. Soa como um questionamento para as vozes esbravejantes que vociferam todo tipo de argumento para sustentar seus ideais. Com fala de sobra e pouco tempo pra ouvir, não é tarefa simples ponderar. Todo e qualquer ideal é defendido com hostilidade. Essa hostilidade paira sobre as identidades assumidas a partir da tela de um computador e é impressa de várias formas nas redes.
"Ponta de Anzol" aborda outro momento de vida. Com um baixo fortemente atuante acompanhando o riff da guitarra somos levados a pensar sobre a necessidade inerente ao ser de encontrar sentido nas situações vividas bem como a consciência de que há um caminho cheio de possibilidades a se seguir. Na continuidade, "Cartão Postal" coloca em ótica esse ser que está trilhando. O ser que não se identifica com o mundo digital, mantendo a alma de sonhador viva. Levada por um som suave que promove o ar melancólico da canção, o valor das experiências de vida, boas ou difíceis é reconhecido ao lembrar que, mesmo com tantas cicatrizes, a bagagem adquirida não tem preço. Inclusive, há o conformismo leve presente na frase que mais se repete na música; "vou até onde eu aguentar".
(Foto: I Hate Flash / Rock in Rio 2017)
"Esc (Caverna Digital)" é uma das faixas mais duras do disco. Na era das pós-verdades, memes, digital influencers, o alto fluxo de informação se mostra o veneno das redes. Coloca sob os holofotes justamente a corrente de ideologias que cada vez mais nos atravessam, ditando irredutivelmente o que é certo e o que não é certo fazer, como se deve e como não de deve agir. Novos meios de viver e conviver que cada vez mais confirma o caminho da liquidez, a qual a nova geração dá passos largos em sua direção. Tempos líquidos confirmados pelo excesso de informações e ideologias que chegam ao nosso conhecimento fazendo com que a gente não se atenha a nenhuma em si, verdadeiramente. Mas sim, de forma volátil. A existência e insistência em "mundos particulares". Em contas com milhares de seguidores no Instagram, pessoas desenham um ideal comportamental a ser seguido, porém do lado de fora do Smartphone, pouca coisa parece realmente mudar.
"Distopia" segue a linha crítica e aponta os crimes absurdos cometidos a anos pelas igrejas. Sermões em troca de dinheiro, referências bíblicas mal empregadas para justificar ações que disseminam ódio, intolerância e preconceito. A voz aguda e arrastada passa a ideia de que é um questionamento e uma indignação que está ecoando dentro da massa. "Frenesi" trás um rock mais barulhento e distorcido. Apresenta uma interlocução entusiasmadamente delirante, agitada e inquieta. Em seguida, "Maré" representa o lado místico do ser, do saber-se pequeno, entender-se como uma partícula no meio do todo e todo o poder de forças que não se podem ver, mas que "puxa como a mais forte maré".
Até aqui, constatamos que o álbum aborda várias esferas que compõem uma vida. Da nossa relação com o mundo, da nossa relação com nós mesmos e da nossa relação com o que há de místico. "Fragmento" apresenta a importância de enxergarmos cada elemento que forma a personalidade. O riff da guitarra distorcida na introdução acompanha o nosso desespero e a pressa em se adequar ao meio, e a falta de interesse em conhecer cada fragmento do próprio ser. "Trilha" apresenta esse interlocutor já um pouco mais amadurecido, contando suas derrotas e vitórias através de um rock encorpado.
"Velho Lobo" nasce da necessidade da auto-análise que gera a desconstrução real de um "velho" para um "novo" ser.
A faixa "Heteronomia" é um grito desesperado por liberdade. Uma mente atordoada em culpas e cobranças descomunais provenientes do meio externo. Aqui vemos uma existência atravessada por normas e padrões impostos que endeusam uns e demonizam outros, de acordo com a forma como cada um escolhe viver sua própria vida. "Quero existência sem dor/sentir liberdade e amor" brada a música.
O álbum se encerra abordando de forma mais íntima nossos sentimentos e emoções gerais, ódio, raiva, medo que ferem as relações . Bem como a falta de sabedoria em lidar com as diferenças de credos e cores que nos repartem. "Phi" finaliza magnetite ressaltando a necessidade de analisarmos a nossa integridade e nos chama para a evolução.
Nota: A autora não faz mais parte do site desde abril de 2018. Os seus conteúdos estão disponíveis por autorização da mesma.
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